Como construir um Símbolo da Paz

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Ou “como o Japão e os EUA estão tratando seus respectivos Símbolos da Paz”.

Este post contém spoilers de Boku no Hero Academia e Batman Vs Superman no último parágrafo. 

O termo Herói (ou Heroína) define o arquétipo da “pessoa”(ou personagem) que combate adversidades através de sua bravura, muitas vezes sacrificando elementos próprios a ele/ela (como por exemplo a própria vida) para um bem maior.

Ela/ele acaba sendo reconhecido pelos outros por atos de bravura ou qualidades excepcionais. E nisso, temos Heróis fictícios (como personagens de obras fictícias), reais (como Joana d’Arc) ou até mesmo lendários (como Gilgamesh).

Fundado inicialmente como conceito na literatura clássica, o arquétipo sempre acompanhou as obras narrativas em algum personagem, fosse ele/ela protagonista ou secundário.

Então, depois de muito tempo de uso, surgiu o que se iniciou como uma experimentação mas que logo se tornou praticamente um arquétipo próprio: o Super-Herói. Que nada mais é, em base, o Herói mas com “super” poderes; poderes inumanos, não existentes em nosso mundo.

Juntar a fantasia com a realidade para criar esse ser humano super poderoso que age pelo bem ficou tão popular que logo o mundo inteiro adotou tal conceito para contar uma história.

Principalmente hoje. O que mais vende, o que mais faz sucesso, é o Super-Herói.

Mais do que nunca, vivemos na época deles.

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Conforme as histórias contadas foram avançando, narrativamente falando, vários “sub-conceitos” foram criados. O anti-herói, o herói novato, o herói cientista… E um tipo de herói que estava lá desde o início e que foi o fundamento para todos esses surgirem: o herói símbolo.

O herói que representa o bem. Que dá confiança as pessoas. Que quando chega, dá ao povo a sensação de que está tudo bem agora. Literalmente, um símbolo da paz.

Tudo começou com o Superman, lá atrás. Alguns defendem que sua criação vinha de um contexto que envolvia alienação e patriotismo exacerbados, mas independente de qual foi a ideia de quando o personagem surgiu, em pouco tempo ele viria a se tornar o maior herói de todos os tempos. Tanto diegeticamente quanto para o nosso mundo, visto o quanto esses quadrinhos eram um dos únicos escapes possíveis para a sociedade da época.

Mas de uns tempos pra cá, é discutido o quanto essa peça de “Símbolo da Paz” está ou não ultrapassado.

Mesmo nos anos 80, víamos uma crescente popularidade de personagens como Justiceiro, que tinha um “modus operandi” completamente diferente desses medalhões; ou nos anos 90, com o surgimento da Image; ou ainda a sempre gigantesca popularidade do Batman, que faz algumas pessoas verem o personagem como uma antítese do que o Superman represente, mas que é uma visão bem… Errada. Mas de qualquer maneira, essa preferência pelo “sombrio, violento e realista” fez o conceito mais básico dos Super-Heróis diminuir cada vez mais em popularidade.

Verdade seja dita que faz certo tempo que o Superman não tem o mesmo tratamento dados pelos autores que ele tinha há décadas atrás. Claro, sempre há exceções; mas numa visão geral, o herói foi vítima da tentativa de “modernizar” os personagens que acompanhamos nos últimos anos feita pelas editoras (no caso, pela DC Comics).

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Enquanto isso, do outro lado do mundo, as coisas andam bem diferentes.

O Japão não teve essa apropriação cultural gigantesca que nós, brasileiros, por exemplo, tivemos. Enquanto por aqui o quadrinho nacional raramente conseguiu a sorte de sair do comum e fazer sucesso comercial, lá no Japão o que manda é o quadrinho nacional deles.

E por isso, por mais que haja sim a influência externa, o país sempre cresceu de um jeito próprio. Como o estilo editorial de lá é diferente do daqui, em que os personagens são criados e continuam “pra sempre”, mudando a equipe criativa e com algumas reformulações, lá é um trabalho muito mais autoral; você vai, cria seu mundo, sua história, seus personagens, publica, termina e pronto. Se fizer sucesso, pode sim fazer um spin-off, uma continuação… Mas se não, sua história morreu aí.

Então por mais que seja comum histórias com poderes (e com “Super-Heróis”, mas num contexto bem diferente do ocidental), o esquema por lá é bem diferente.

Até que o boom mais recente de super-heróis atingiu o mundo inteiro.

Com o universo cinematográfico da Marvel ganhando cada vez mais bilhões, é fácil de imaginar que alguma hora isso chegaria e influenciaria o mercado de quadrinhos japoneses.

Por isso, acabamos acompanhando o surgimento de obras como One-Punch Man, Lady Justice e Boku no Hero Academia. Lógico que cada uma contendo sua proposta própria, e mesmo tendo tal temática, ainda seguindo no esquema de publicação mais autoral japonês; mas mesmo assim, é inegável a influência dos Super-Heróis americanos na construção conceitual das obras.

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Então, cheguei ao ponto que eu quero comentar (ufa).

Já falamos DEMAIS de Superman e de Boku no Hero por aqui. Ambos já tiveram textos e ChatCasts dedicados só a eles (inclusive, mais de 1 texto e mais de 1 podcast para cada), então se tiver curiosidade para uma análise ou opiniões mais aprofundadas é só procurar na barra de pesquisa (porque se eu linkasse tudo aqui, o post ficaria maior do que já está e perderia um pouco o foco).

Acontece que ambos tiveram grandes momentos esse ano. Superman esteve nos cinemas e teve alguns momentos bem marcantes nos quadrinhos atuais; e Boku no Hero Academia ganhou anime e o mangá teve um dos arcos mais comentados nas últimas semanas.

E todo esse texto é justamente para comparar ambos.

Boku no Hero Academia possui seu próprio “Superman”. All Might é o herói número 1 da nação, e o Símbolo da Paz absoluto (com detalhe para o V de vitória que seu cabelo forma), mas que infelizmente, está perdendo seu poder aos poucos.

Nesse último arco, tivemos o embate entre o Super-Herói e seu arqui-inimigo. Detalhe para o nome dos poderes de cada um: enquanto All Might possui o One For All, seu arqui-inimigo possui o All For One.

Um por Todos. O que o Símbolo da Paz precisa ser. Salvar a todos que for possível salvar, sem pestanejar. Que traz alívio para todos quando está presente.

E o objetivo dos vilões não é destruir fisicamente All Might. Eles querem destruir seu papel como Símbolo da Paz.

Se a população ver seu símbolo absoluto de tudo o que há de bom destruído, desgastado, cansado e sem forças, como eles terão confiança para continuar vivendo?

O que irá protegê-los?

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All Might em sua formal “normal”: um cara magro, que aparenta estar sempre cansado, com o “V” de seu cabelo se tornando duas franjas.

O Superman que temos hoje em dia, por outro lado…

Nos cinemas, o Superman é um “novato”. Descobriu seu dever como herói “recentemente”, e por isso, ainda não sabe direito o que fazer. E por isso, destruiu a cidade no final de Man Of Steel. E por isso, pega um bandido e… Atravessa… 4 paredes com eles…

Sério mesmo?

O Símbolo da Paz americano que temos, mesmo depois de um filme inteiro de construção, ainda é uma criança?

E aquele que deve representar a esperança quando tudo estiver ruim, ao invés de carregar cores fortes e vibrantes, está impedido por conta de um filtro cinza e marrom que depois de 30 minutos enjoa?

Ok, não vou negar que o All Might tem uma certa “vantagem”: na obra, ele já está a ativa há MUITOS anos.

Mas o All Might existe há pouquíssimo tempo. E o Superman, desde 1938.

Então por que o All Might consegue passar melhor a sensação de Símbolo da Paz do que aquele que começou tudo isso?

O detalhe está nas pequenas coisas.

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“Este é seu primeiro passo para se tornar um herói.”

Nesse arco de Boku no Hero Academia nos é revelado que All Might não fica sorrindo o tempo todo porque ele está feliz o tempo todo; ele sorri o tempo todo porque ele precisa sorrir o tempo todo. Quando vai salvar alguém e faz isso com um sorriso no rosto, as pessoas entendem que ele está fazendo isso porque é o certo. Que ninguém está sendo um fardo para ele, e que ele está tendo prazer em salvá-las.

É como o mesmo diz. Não basta salvar o corpo das pessoas, tem que salvar o coração delas também.

Então, com pequenos detalhes, All Might convence ser o maior herói de todos os tempos. Enquanto que o Superman dos cinemas, que atinge um público muito maior, logo logo não poderá mais usar a desculpa de que está “começando”.

Tanto que Zack Snyder, diretor do filme, disse que muitas das críticas vieram de pessoas que não aceitam ver seus super-heróis favoritos sendo “desconstruídos”.

O problema não é desconstruí-los. O problema é deturpá-los. Fazer uma versão “desconstruída” como se fosse a certa, e ficando completamente incoerente com o que está sendo apresentado.

O Superman”desconstruído” dos cinemas é visto no mundo em que está inserido como o Superman normal, que nós, público, crescemos vendo.

Mas para nós, público, o Superman “desconstruído” é só um cara super poderoso que gera cenas de ação com destruição, e só isso. Não nos apegamos a ele.

Tanto que ver o All Might perder seus poderes pra tentar salvar a população é muito mais emocionante e dá uma sensação de perda muito maior do que ver o Superman morrer numa luta apenas pela “obrigação” de se usar aquele vilão.

 

4 comentários sobre “Como construir um Símbolo da Paz

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